Por Ricardo Gondim
Pai nosso e dos exilados,
dos deprimidos, das meninas vendidas à prostituição, dos curdos, das aeromoças,
dos ianomâmis, dos carvoeiros, das juízas, dos mineradores chineses, dos
médicos legistas, dos cabelereiros, das noviças, dos poetas, das atrizes, dos
teólogos, das massagistas, dos meus filhos e netos, dos ateus, das motoristas
de ônibus, dos carcereiros.
Que estás no céu, na terra, no vácuo, no
hades, no patíbulo, na floresta, na sala de hemodiálise, no cabaré, na UTI, no
acampamento dos sem-terra, na catedral, na sala de tortura, no asilo de velhos,
no botequim, no matadouro, no quartel, na ambulância, no escafandro, no
aeroporto, no palco, na piscina, no hospício.
Santificados sejam o teu
nome, a ideia que fazemos de ti, o livro que escrevemos sobre ti, a
música que cantamos sobre ti, os planos de paz que organizamos pensando em ti,
a mulher que tocamos por seguirmos a ti; e o futuro que sonhamos por ousarmos
te chamar de Pai.
Venha o teu reino. Sentimos a urgência
não de ir até aí, mas de demonstrar aqui neste planeta diminuto a aspiração que
está no além. Queremos nos enraizar neste chão para fazer algo novo, algo que
se sobreponha ao que já se construiu na história. Acontece que somos inadequados,
claudicantes e egoístas. Incentiva-nos a querer mostrar lampejos do que seria a
vida se vivêssemos, minimamente, teus valores. Faze-nos subversores do
inexorável, sabotadores das sinas, revolucionários do amanhã. Precisamos da
esperança que desvela outra realidade, outro mundo, outra forma de viver.
Seja feita a tua vontade
na terra como ela é feita no céu. Desde a criação decidiste que homens
e mulheres tomariam os rumos da história. Tu assinalaste a eles a
responsabilidade de disseminar bondade e não crueldade, equidade e não
injustiça, criatividade e não opressão, liberdade e não escravidão. Anima-nos
para que possamos incubar vida, parir oportunidade, perenizar o bem e assim
estreitar esse abismo que nos separa de tua morada.
O pão nosso de cada dia,
nos dai hoje, mas que este pão nos alimente física, emocional e
espiritualmente. Não nos deixe satisfeitos com a ração que nos apequena em
nossa humanidade. Temos fome de sentido, carecemos de afetos, ansiamos por
beleza, desejamos transcendência. Dá-nos gula de palavras; e que as palavras,
transformadas em versos, nos saciem de eternidade. E que as parábolas,
temperadas de metáforas, se transformem no banquete que nos salva no dever
inclemente de sobreviver, só sobreviver.
Perdoa as nossas dívidas bem como as
ofensas grosseiras de quem ataca a adolescente, o homossexual, o pobre, o
negro, o cigano, o gari, o porteiro, a babá, o garçom, o pedreiro, o trovador,
a enfermeira, a maria-ninguém. Somos cruéis uns com os outros, lentos em
reconhecer a dignidade alheia. Mordazes, desaprendemos a respeitar dores.
Inclementes, desonramos sonhos. Insensíveis, não paramos para ouvir queixas. O
perdão nos livra dos grilhões que nos aferramos com o endurecimento. Precisamos
de misericórdia, antídoto que nos salva do veneno que tentamos inocular nos
outros. Falta-nos a percepção que revidar só expõe a soberba de nos achar
melhores e mais privilegiados que os demais.
Assim como perdoamos aos
nossos devedores, não nos deixa aspirar de ti nada além do que fazemos pelo
próximo. Não te sintas obrigado a nos absolver mais do que absolvemos, a nos
compreender mais do que compreendemos, a nos proteger mais do que protegemos. A
régua que medirmos deve ser a mesma que esperamos ser aferidos. Que nossa
balança não se vicie. E que nós nos identifiquemos no próximo, única forma de
amá-lo.
Não nos deixe cair em
tentação. Livra-nos
do mal, que é a desgraça de cobiçar poder, honra e glória.
Lembra-nos: cobiçar poder transforma anjo em diabo e homens em demônios. Que
não nos iludamos com caminhos largos, com brilho intenso ou com segurança de
riqueza sem fim. Desperta-nos para a vida do Nazareno que desprezou valer-se do
divino em sua árdua trilha humana. Sem apelar para poderes sobrenaturais, ele
se fez gente. Foi grande porque não fugiu da morte estúpida e banal que os
opressores lhe impuseram. Dá-nos a serenidade de não nos seduzir pela mentira
de que existe outra senda senão a que ele escolheu.
Amém.
Soli Deo Gloria
Publicado originalmente no site do autor
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